Polêmico
e crítico do sistema de ensino brasileiro, o educador Rubem Alves já propôs o fim do vestibular e a adoção de um
sorteio para selecionar os alunos que deveriam ir para a faculdade. Nascido em
Boa Esperança (MG), em 1933, é bacharel em Teologia, doutor em Filosofia,
psicanalista e professor emérito da Unicamp, além de autor de mais de 50
publicações para adultos e crianças. Confira algumas de suas ideias para
melhorar a educação do país.
"Análise sintática
não ajuda ninguém a ler e escrever melhor, só faz com que os alunos odeiem
literatura. O que ajuda a ler e escrever melhor é ler muito."
Como
os professores podem contribuir para uma melhor educação no Brasil?
Rubem
Alves — Sendo educadores.
A melhoria da educação não tem a ver diretamente com leis ou normas, mas com os
sentimentos e pensamentos do professor, que precisa ouvir os alunos. A grande
tarefa do educador não é dar o que está na grade curricular – odeio essa
expressão, já comentei que ela deve ter sido inventada por um carcereiro –, a
missão do educador não é dar a matéria, mas ensinar a pensar. Os alunos são
obrigados a aprender muitas coisas inúteis, e para quê? Para esquecer um mês
depois.
A missão do educador
não é dar a matéria, mas ensinar a pensar. Os alunos são obrigados a aprender
muitas coisas inúteis, e para quê? Para esquecer um mês depois.
E
como o governo pode contribuir com a melhoria do ensino no Brasil?
Rubem
Alves — Para começar acho que precisaríamos mudar
nossos representantes. Muitos congressistas, com honrosas exceções, não
entendem nada de educação. Muitos acham que melhorar a educação é construir
escolas, mas isso é mais uma questão eleitoreira, eles inauguram escolas como
um “presente” à população: “olha o que fiz para vocês”, mas sem foco no
professor e principalmente no aluno.
O
senhor já afirmou que a escola é chata. Mesmo tendo que seguir uma matriz
curricular, como o professor pode tornar as aulas mais próximas da realidade de
seus alunos?
Rubem
Alves — A grade
curricular obriga os alunos a estudar coisas que não têm nada a ver com a vida.
Análise sintática, por exemplo, não ajuda ninguém a ler e escrever melhor, só
faz com que os alunos odeiem literatura. O que ajuda a ler e escrever melhor é
ler muito. Tenho um livro chamado Vamos Construir uma Casa?, em que proponho
que os alunos não aprenderiam coisas abstratas, mas concretas, a partir do seu
entorno, do dia a dia.
Essa ideia surgiu após
ouvir uma entrevista do navegador Amyr Klink, em que ele cita como ideal uma
escola que existe na Ilha Faroe, na Dinamarca, que era ponto de parada dos
Vikings em suas incursões guerreiras. Nessa ilha, as crianças aprendem tudo o
que precisam para viver construindo uma casa Viking. Aí eu pensei: se isso é
possível na Ilha Faroe, por que não seria possível também para as nossas
crianças? Claro que não é construir uma casa com tijolo e cimento, mas na
imaginação.
O uso
de tecnologia é fundamental para o ensino das crianças de hoje, os
"nativos digitais"?
Rubem
Alves — Sim, é essencial
que os professores saibam o que está acontecendo no mundo. A tecnologia está em
tudo, até no botão do elevador, ela está aí para ficar e os professores
precisam de desenvolver, se “realfabetizar”, e entender seus alunos que já
nasceram dentro desse mundo tecnológico.
O
senhor é defensor da Escola da Ponte. Que princípios desse modelo poderiam ser
aplicados no Brasil?
Rubem
Alves — Na Escola da
Ponte, os alunos não têm aula. Como assim? São organizados pequenos grupos com
um tema comum, e os alunos escolhem um professor para orientá-los durante duas
semanas. Nesse tempo, eles pesquisam e ensinam uns aos outros o que aprendem.
“Aula” era no tempo em que só o professor sabia a matéria, mas hoje a
informação está em todo lugar, não tem por que um professor ficar repetindo um
conteúdo, ele deve orientar, ser um guia. O professor não precisa
necessariamente conhecer o assunto a ser estudado pelos alunos, ele deve
indicar caminhos. Algumas escolas já estão adotando essa ideia de trabalhar com
projetos, o que permite um aprendizado mais natural, afinal, como as crianças
ensinam umas as outras a brincar? De forma natural, sem nenhuma pedagogia.
Exames
nacionais como o ENEM são eficientes para medir o conhecimento dos alunos e
servir de parâmetros da educação no país?
Rubem
Alves — Já disse várias vezes que devemos acabar com
o vestibular e propus sorteio como uma forma mais democrática. Sou favorável ao
ENEM desde que ele não vire um novo vestibular. Deveria ser proibido se
preparar para o exame, pois ele tem que medir o que ficou de conhecimento, não
adianta se preparar na véspera. Um exame com preparação falsifica os
resultados, é como dar uma “cola” ao aluno. Além disso, a prova não deveria ser
assinada, ou seja, o resultado deveria representar o resultado coletivo, e não
o individual.
Retirado do site:
http://revistaguiafundamental.uol.com.br/professores-atividades/90/artigo236243-1.asp. (Acessado em 26.maio.2013)